segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Ensinando Valores

Domingo à noite. Silêncio em casa. Liz já está brincando há horas junto ao computador, normalmente vestindo a Barbie com o auxílio de um guarda-roupas virtual, ou montando quebra-cabeças criados a partir de suas fotos prediletas, ou então envolvendo-se em aventuras com a Moranguinho, sua personagem preferida.

Arnaldo aproveita o sossego para lavar louça. Impressionante como que, por mais que se lave, ela continua voltando. As pessoas simplesmente “se esquecem” de lavar os próprios copos e pratos, até que fique tudo sujo, novamente, novamente e novamente. “Talvez devesse ter menos louça, assim sujaria menos…”, raciocina.

Começa a organizar a tarefa, esvaziando o escorredor e colocando o que já estava limpo e seco em seu devido lugar. “E pensar que há homens que não fazem esse tipo de trabalho”, reflete, com a expressão comicamente revelando um ar de superioridade ao comparar-se com outros indivíduos do sexo masculino. “Hoje em dia não é justo que a mulher arque com todas as responsabilidades domésticas. Já pensou se Laura tivesse que se dedicar a todas estas tarefas depois de um dia estressante de trabalho?”, pergunta a si mesmo.

Abre um pouco a torneira e a deixa aberta. É preguiçoso. Sabe que desperdiça água, mas considera intolerável abrir e fechar o fluxo da água ininterruptas vezes. A consciência pesa um pouco ao pensar na escassez de água que assola grande parte do Brasil mas, ainda assim, não consegue deixar a preguiça de lado. Começa a ensaboar copos e pratos, colocando-os à parte.

“Pior seria se a Laura não trabalhasse fora e passasse o dia inteiro em casa. Como ficaria rabugenta…”, estremece. “Quer saber, melhor continuar lavando louça e parar de filosofar!”, sorri.

Quase que imediatamente em seguida, ele escuta o barulho de algo caindo na sala. Um som de objeto sólido. Liz começa a chorar. Arnaldo fecha a torneira e corre para ver o que aconteceu. A pequena está sentada sobre o chão, com lágrimas escorrendo. Arnaldo chama sua atenção:
- Liz, o que aconteceu? Porque está chorando?
- Papai, não foi de propósito. Eu derrubei o computador.

Os dois mil reais que havia investido no computador passaram pela mente de Arnaldo, mas não deixou este pensamento transparecer. Olhou ao redor e viu teclado e mouse jogados ao chão. Nada demais. Aliviou-se. Prosseguiu calmamente:
- Como foi que você derrubou essas coisas, Liz?
- Eu fui me levantar. O fio do fone de ouvido enroscou no computador. Foi então que o computador caiu.

Arnaldo procurou um lenço para oferecer à Liz, para que enxugasse as lágrimas, mas não encontrou. Ofereceu a própria camisa:

- Liz, vem cá. Limpe suas lágrimas aqui, na camisa do papai.

Ela acedeu. Arnaldo continuou:
- Vou explicar. Isso que você derrubou é só o teclado e o mouse. São coisas baratas. Se quebrar, eu troco sem problemas. Não precisa chorar, viu?

Liz se acalmou e perguntou:
- Quer dizer que está tudo bem?
- Sim, tudo bem.

Arnaldo indicou então a CPU, apontando-a:
- Você vê aquela caixa?
- Sim.
- Aquele é o cérebro do computador - disse, tentando ajustar as palavras à linguagem da menina.

Prosseguiu:
- Aquela parte você deve evitar de deixar de cair porque custa bastante dinheiro para consertar. Liz, só quero te dizer mais uma coisa.
- O que, papai?
- O computador é caro e é difícil para nós termos que comprar um novo, se ele quebrar. Tome cuidado quando for se levantar, principalmente com os fios. Só que eu quero que você saiba que você é mais importante. Você vale mais do que qualquer objeto que nós temos, e não importa o que aconteça, eu me importo mais com você do que com as coisas materiais. Entendeu?
- Entendi.
- Agora vamos colocar tudo isso em cima da mesa de novo?

Com o equipamento já em ordem, Liz indagou:
- Você pode colocar um jogo para mim?
- Liz, já são nove horas da noite. Hora de dormir.
- Ah, me deixa jogar mais um pouquinho.
- Tudo bem, até eu terminar de lavar a louça.

Arnaldo voltou então à cozinha, feliz pelo que teve a oportunidade de ensinar à Liz.